O ser magnífico

Vivemos tempos em que os seres humanos parecem ter uma aversão crescente a outros seres humanos. Estamos muito confusos quanto à nossa natureza e vale a pena assim reflectirmos sobre nós mesmos, como co-habitantes deste planeta, como seres que se relacionam entre si e que se relacionam com os outros seres.

Muitos de nós consideram que o grande problema deste planeta é o próprio ser humano. Não tirando já a razão a essas pessoas, vale a pena lembrar que a nossa humanidade é aquilo que nós somos e o mais precioso que temos. Se há espécie que pode salvar este planeta, somos nós, os seres humanos.

Temos neste momento o poder de destruirmos o nosso planeta, o que faz de nós seres poderosos e perigosos. Muitas pessoas associam isso a maldade… É preciso afirmar aqui perentoriamente que… essa visão está errada!

O ser magnífico
Temos de assumir com orgulho (e com responsabilidade) que somos, naturalmente, os seres mais poderosos do planeta

O ser humano tem cada vez menos paciência e tolerância para com os membros da sua própria espécie, virando-se para os outros seres como se esses fossem incondicionalmente bons e todos nós fossemos naturalmente maus.

Esta visão está tão enraizada que, por exemplo, tendemos a ter como melhores amigos os nossos animais de estimação. Um cão tem uma devoção admirável aos seus donos, o que nos comove e que nos reconforta. Amar um cão ou um gato, ou um cavalo, não está errado e faz parte da nossa humanidade. O que está errado é o nosso afastamento das outras pessoas, principalmente tendo por base a ideia de os humanos são piores do que os animais.

Quem tem animais de estimação sabe que, por vezes, eles são agressivos e temperamentais. Isso não faz deles seres maus, mas antes, seres que têm flutuações de humor, tal como nós. Como temos poder sobre eles, somos bastante permissivos e tolerantes relativamente a eles, mesmo quando um cão nos morde ou o gato nos arranha.

Quando um outro ser humano nos ofende… tendemos muitas vezes a cortar relações como ele. Somos muitas vezes perfeitamente intolerantes quanto aos comportamentos das outras pessoas, muitas vezes nem sequer parando para pensar que esses comportamentos poderão ter sido originados por meros mal-entendidos, por uma angústia mal controlada ou por uma descompensação hormonal momentânea. Quando o nosso cão nos morde, tendemos a ter para como ele mais atenção e compreensão do que teríamos para com outra pessoa que nos olhasse de algum modo de que não gostamos.

Não vemos maldade nos animais porque eles não têm poder sobre nós, mas vemos maldade nas pessoas, porque elas podem ter poder sobre nós e sobre a nossa vida. O nosso problema será eventualmente o medo do poder dos outros e não o prejuízo da ofensa causada.

Muitas pessoas recusam-se a comer carne com o pretexto de que isso seria errado, que de alguma forma a nossa espécie não deveria ter o poder de se sustentar à custa de outras espécies. Essas pessoas defendem a Natureza, mas decidem discordar dela, quanto ao facto de que é a própria Natureza que nos coloca a nós todos (pessoas e animais) numa cadeia alimentar na qual nós estamos no topo.

Um leão mata uma gazela, não porque a odeie, mas porque se não o fizesse morreria. De igual forma, um ser humano mata um animal e consome a sua carne, não necessariamente porque despreze o animal, mas porque a natureza o colocou na cadeia alimentar da qual esse animal faz parte. Se um ser humano se encontrar com um tigre selvagem e não tiver como se defender, a cadeia alimentar inverte-se e isso é praticamente tudo o que há a saber sobre o assunto. O tigre odeia ou despreza o humano? Não, simplesmente segue o seu papel natural de se defender e de se alimentar. O facto do ser humano ter o poder do seu intelecto para se elevar ao topo de todas as cadeias alimentares é mérito nosso, não é maldade.

Iremos assistir em breve a outros seres animados que não serão humanos, ou animais, ou sequer vegetais, com os quais iremos conviver e pelos quais iremos sentir amor – refiro-me a seres cibernéticos providos de inteligência artificial. E irá acontecer o mesmo que já hoje acontece relativamente aos animais de estimação – alguns humanos irão olhar-se entre si ainda com mais distanciamento e desprezo, preterindo-se mutuamente por muitos e variados motivos, mas principalmente pela mesma ideia fundamental – a ideia de que o ser humano é essencialmente maldoso.

Esta ideia não é uma antevisão pura, mas antes a descrição de algo que está a acontecer no mundo em que já vivemos. No Japão, por exemplo, já há pessoas que hoje se “casam” como seres digitais… O que essas pessoas descrevem é sentimentos de amor e de apego. Não se trata de uma mera brincadeira.

Aquela ideia cristã de que nos devemos perdoar uns aos outros (vê-se agora ainda mais) não se trata de uma retórica meramente religiosa. O perdão é a forma eficaz de não nos afastarmos uns dos outros e de não nos refugiarmos e nos isolarmos em relações emocionais e de afeto com outras espécies e, eventualmente, com criaturas que apenas existem na forma de “zeros” e de “uns”.

Temos todos de nos sentir bem com a nossa humanidade, de olhar com apreço as outras pessoas, de não sermos demasiado intolerantes entre nós e, ao mesmo mesmo tempo que também apreciamos os animais de quem cuidamos. Se fazemos parte de cadeias alimentares, pois que assim seja. O sofrimento desnecessário dos animais que matamos para a nossa alimentação é, como a própria palavra indica, desnecessário. A nossa humanidade deve estender-se assim ao profundo respeito pelo planeta e por todos os seres vivos com quem o partilhamos.

Não há qualquer razão para que renunciemos à nossa condição de pertencentes à espécie que efectivamente controla o nosso planeta. O poder que temos é imenso e, naturalmente, acarreta toda a responsabilidade de o usarmos prudentemente.

O ser humano é, de facto, o ser magnífico, capaz de destruir (é certo), mas também de criar, de salvar e melhorar o que Natureza nos oferece.

É verdade que o planeta está sobrecarregado pela presença do ser humano, mas isso não se deve à nossa “natureza malévola”. Isto deve-se à ignorância que ainda subsiste entre nós que nos tem impedido de termos formas optimizadas de tirar o melhor proveito da Natureza.

O que há a fazer é fomentar a união entre os seres humanos, criando e implementando soluções que eliminem as práticas prejudiciais e que nos comprometem a longo prazo.

O que faz falta é mais comunicação, mais paciência de nos ouvirmos mutuamente. As pessoas que mais defendem o ambiente têm razões para se sentirem preocupadas. As pessoas, por outro lado, que estão focadas na Economia, têm também razões que não devem ser vistas necessariamente como más para o ambiente. O mais provável é que as soluções para o futuro do planeta se apoiem em boas práticas ambientais e um refinamento das actuais práticas de produção.

Temos de deixar de ver o dinheiro e o capital como algo mau e prejudicial. O dinheiro é um instrumento poderoso e uma criação magnífica que permite direccionar os esforços humanos para aquilo de que necessitamos para sobreviver. O dinheiro não é realmente o inimigo. O inimigo é a poluição, as guerras e todos os defeitos humanos de larga escala como a corrupção, o crime e os abusos de pessoas por pessoas. O inimigo é a parte negra do ser humano, não o próprio ser humano.

Temos de ver o nosso futuro como o resultado das nossas acções no tempo presente, como grupo de seres que têm a faculdade de comunicar elaboradamente entre si. Se falharmos na vontade de comunicar, se preferirmos nos afastar uns dos outros, se acharmos que o amor pelo nosso cão é tudo o que nos completa, em detrimento do amor pelos humanos, se decidirmos considerar que o ser humano é essencialmente um ser malévolo, então estaremos todos perdidos, incapazes de salvar o que quer que seja.

O futuro deste planeta depende, quer queiramos, quer não, da nossa união e respeito mútuo. As empresas, como forma de organização eficiente de pessoas para produzir bens e serviços, são essenciais para a criação de um futuro melhor. Se acharmos que as empresas são más e as atacarmos, isso também não nos ajudará em nada.

A tecnologia que desenvolvemos até agora é aquela que estará na base das soluções para a criação do nosso futuro comum. Os nossos cientistas, os nossos engenheiros e os nossos empresários tecnológicos são, e serão, absolutamente determinantes para o futuro do nosso planeta. Por tudo isto, atacá-los e vilipendiá-los estará sempre muito longe do que se pretende.

O ser humano, nas suas mais diversas vertentes, é verdadeiramente o ser magnífico que devemos todos valorizar. Devemos assumir o nosso orgulho em pertencermos à espécie que controla todo o planeta e todos os outros seres que nele habitam. Comunicar é essencial, o que requer a faculdade de saber ouvir e compreender. O ser humano não é o inimigo. A nossa falha em comunicar, a recusa em negociar soluções e a persuadir outras pessoas a seguirem as melhores ideias, pode ser o nosso verdadeiro inimigo. Odiarmo-nos uns aos outros será, provavelmente a pior coisa que poderemos fazer.

O futuro da nossa espécie começa com o orgulho de a ela pertencer. Ao assumirmos a nossa condição de seres poderosos, comunicativos e mutuamente cordiais, teremos uma chance.

Cada um de nós é, verdadeiramente, o ser magnífico!