Vamos acabar com a violência doméstica

No nosso país, é maioritariamente o Estado que se ocupa da educação dos futuros adultos. Quer seja através da definição dos currículos escolares, quer seja na administração directa das escolas públicas, o Estado está a falhar no assunto da prevenção da violência doméstica, e isto tem de mudar!

O amor deverá prevalecer e a sociedade tem de cumprir o seu papel

A violência doméstica é predominantemente no sentido de homens a agredir mulheres, mas não o é exclusivamente. Este artigo é sobre a violência doméstica como fenómeno evitável, independentemente dos factos estatísticos ligados ao género.

O problema está identificado e sabemos hoje que há traços de personalidade e comportamentos das pessoas (homens e mulheres) que permitem prever com um elevado grau de certeza que no futuro irá haver violência, maus tratos de várias ordens e até homicídios. Este é um problema sistémico que ultrapassa as linhas que estratificam a sociedade, quer em poder de compra, quer em nível de educação.

A triste realidade é que a educação que está a ser dada às crianças e jovens não está a resultar na diminuição dos casos de violência a jusante (quando as pessoas já estão nas relações). O que isto nos diz é que as escolas e nosso sistema de ensino não estão a ajudar as crianças e jovens a educar-se para a realidade adulta de que a violência pode eventualmente vir a afectá-las.

A violência doméstica destrói as vidas, não apenas das vítimas, como também as dos próprios agressores. É claro que a sociedade tem total empatia pelas vítimas e profundo desprezo pelos agressores. Mas… e se fosse possível, através da educação, treinar as potenciais futuras vítimas a detectar os sinais de potenciais futuros agressores, dando-lhes ferramentas para se afirmarem nas suas relações, se protegerem de comportamentos abusivos e evitarem a escalada de violência? E se fosse também possível educar os potenciais futuros agressores para nem chegarem a manifestar-se como tal no futuro?

Um agressor (quer seja homem ou mulher) exibe sinais precoces de que irá tornar-se uma ameaça para a sua companheira (ou companheiro). Ciúmes injustificados, possessão, uma tentativa constante e crescente de isolamento da parceira (ou parceiro) do seu círculo de amizade e de família, um controlo injustificado dos passos da companheira (ou companheiro), um temperamento agressivo, explosivo e descontrolado perante contrariedade e auto-afirmação da companheira (ou companheiro), são todos sinais sobejamente conhecidos pelas autoridades que acompanham as fases derradeiras que resultam em violência extrema e em homicídios.

Conhecendo os sinais precoces de um potencial futuro agressor (homem ou mulher), é possível trabalhar frutuosamente com o próprio indivíduo potencialmente agressor (homem ou mulher), dando-lhe atempadamente especial atenção, educando-o para que ele se conheça melhor a si mesmo, canalizando a sua potencial agressividade para outras coisas que não sejam necessariamente a agressão física ou psicológica. Um indivíduo potencialmente agressor pode provavelmente ter ideias fixas que podem ser desfeitas por uma educação específica e bem orientada, por exemplo. Podem haver mal-entendidos ou mágoas passadas originadas pela forma como foram tratados pelos pais, pelos irmãos ou por quaisquer outras pessoas que possam ter exercido poder sobre o indivíduo no passado. Podem ter existido abusos sobre o indivíduo que entretanto ele terá a tendência de vir a dramatizar no futuro se nada for feito no âmbito da prevenção.

Detetando os sinais conhecidos, analisando com maior cuidado a pessoa em questão, dando-lhe especial atenção, educando-a convenientemente e treinando-a para controlar os seus eventuais impulsos menos benévolos, uma pessoa que hoje exibe sinais de ser potencialmente agressora no futuro, pode tornar-se no ser humano mais dócil e mais tranquilo já alguma vez visto.

Do lado da potencial futura vítima, porque é que não treinamos atempadamente as nossas crianças e jovens para a deteção dos sinais de perigo, para futuramente não se deixarem isolar dos amigos e das família, para saberem evitar o controlo excessivo do parceiro (ou parceira) e para saberem como pedir ajuda em caso de ameaça?

Um indivíduo jovem (rapaz ou rapariga) é levado a tomar decisões sobre uma relação extremamente importante para si quando ainda não tem qualquer experiência da vida. A paixão, a adrenalina e todo o coctail hormonal no seu corpo impedem-no muitas vezes de tomar as melhores decisões. Por vezes a rebeldia relativamente à própria família, o sentimento de se sentir incompreendido e a assunção de que aquela outra pessoa pode ser o seu porto de abrigo, o seu refúgio e a sua afirmação pessoal (tipo “também eu posso escolher a pessoa que amo!”) toldam muitas vezes o juízo que deveria estar a mostrar, por exemplo, que essa pessoa exibe determinados sinais de que provavelmente se irá tornará violenta, agressiva e ameaçadora.

A sociedade deixa os seus jovens à deriva numa das decisões mais importantes da sua vida, e ainda por cima, sem lhes dar qualquer preparação prévia para o que podem vir a encontrar. Quando uma mulher morre (ou um homem morre) vítima do seu cônjuge, já a sociedade falhou há anos ou há décadas atrás.

Nós treinamos as pessoas para conduzir um carro, mas não nos lembramos de educar e treinar um jovem para gerir bem a sua futura relação conjugal, sabendo nós que uma relação pode bem ser um “veículo” muito mais perigoso do que uma máquina de metal com quatro rodas. E isto acontece, não por a sociedade ser má ou querer que os seus filhos se degladiem entre si. Isto acontece porque a sociedade é ignorante e confia em autoridades incompetentes, desconhecedoras e mais preocupadas com politiquices, com a manutenção de poder e com o serviço aos seus próprios interesses.

A nossa sociedade está doente a muitos níveis, mas o problema da violência doméstica é talvez dos mais patéticos, tristes e evitáveis que temos. As autoridades chegam a registar em Portugal cerca de 40 episódios de violência doméstica por dia, o que depois resulta em cerca de 30 a 40 mortes num só ano, sem falar em toda a violência não reportada e escondida das estatísticas oficiais.

O resultado disto é verdadeiramente dramático: perdas de vidas, encarceramentos, crianças que crescem no meio de violência, alcoolismo, droga e uma ineficiência sistémica da sociedade com profundo impacto no bem estar geral da população.

A Educação no nosso país chega a ser anedótica, não fosse apenas ser passivamente aceite por quase todos como algo que “é assim, sempre foi assim e… o que é que vamos fazer?”

A violência doméstica é evitável e pode (e deve!) começar a ser combatida nas escolas. As crianças têm de aprender o que as espera. Tanto as raparigas, como os rapazes, devem aprender sobre qual deverá ser o seu futuro comportamento perante uma potencial relação abusiva. Estas coisas ensinam-se antes dos impulsos aparecerem, antes das hormonas ganharem controlo, antes dos comportamentos se manifestarem. Porque… quando se manifestarem, já estaremos a tentar curar o que deveria ter sido prevenido.

Não será expectável que 100% da violência doméstica possa ser eliminada com uma boa educação a montante (no início da educação do indivíduo), mas seria seguramente mitigada.

As autoridades têm de despertar da sua própria letargia. As estatísticas servem para se saber em que áreas mexer e que medidas preventivas devem ser aplicadas. Se não, para quê as estatísticas?? Para nos continuarmos a compadecer das mortes, das mutilações, dos encarceramentos e das vidas destroçadas?!

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