O tamanho do estado importa?

Um estado é como a administração de um condomínio de um grande prédio, ou de um grande conjunto de prédios.

É importante estabelecer esta analogia para podermos entender determinados fenómenos que podem ocorrer num estado. Grande parte das pessoas são condóminos e pelo menos essas irão apreender melhor, através desta analogia, o que está em causa neste assunto.

Nota importante: este texto refere-se a um estado genérico de um país igualmente genérico, e qualquer semelhança com o estado de algum país específico, não passa de uma mera coincidência. Os fenómenos aqui descritos são consequência natural da existência de um conjunto de regras, de ideologias e de forças no poder, todas estas em interacção.

Um estado, tal como a administração de um condomínio, é importante na medida em que haverá sempre uma realidade comum a todos os cidadãos que não concerne apenas à sua individualidade.

Um estado demasiado grande e opaco gera miséria a longo prazo

Um estado deve garantir a liberdade dos indivíduos do seu país, o que implica, por exemplo, que deverão haver funções (tais como a governação, a protecção civil, os tribunais, a segurança interna, a saúde pública, a emissão de moeda, a supervisão da actividade económica e a relação com estados estrangeiros) que deverão ser exercidas, não por privados, mas por uma entidade pública e que, nessa condição, represente todos os cidadãos.

Ideologicamente, poderemos assumir que esta ou aquela área de serviços também deveria ser uma atribuição do estado. E igualmente ideologicamente, poderemos dizer que esta ou aquela área não deveria estar a cargo do estado. Esta diferença ideológica leva a que, por exemplo, em países mais liberais, o estado seja mais pequeno e países mais socialistas, o estado seja maior.

O lado corporativo e a proximidade do poder político

Para operar, um estado tem de ter pessoas que executem determinadas tarefas. Esses são cidadãos que, tal como os administradores de um condomínio, prestam serviços a todos os outros cidadãos e são remunerados por isso, não apenas com salários, mas também com benefícios variados.

Os colaboradores do estado de um qualquer país são, todos em conjunto, uma força corporativa que, para além de ter determinados privilégios, está muito próxima do poder político (o poder exercido por pessoas que, numa democracia, são eleitas por todos os cidadãos).

Se um estado for relativamente pequeno, o número de colaboradores será limitado pelo seu próprio número reduzido. Mas, se um estado for muito grande, devido ao grande número de colaboradores para o fazer funcionar, o poder corporativo destes poderá ser tão grande que, juntamente como a sua maior proximidade dos centros de decisão política, poderá ir reivindicando paulatinamente mais e mais direitos, mais e mais privilégios, que estes se tornam cada vez mais diferenciados dos direitos dos demais cidadãos.

Assim, num país com um estado grande, a força corporativa dos colaboradores do estado tem o poder de actuar abertamente (ou encobertamente) para a perpetuação do status quo. Por outras palavras, um estado grande cria um ambiente em que o incentivo para que se mantenha grande é proporcional à manutenção dos privilégios de um grande grupo de pessoas, que neste caso, são as pessoas que trabalham para o estado e todas as pessoas que pertencem às respectivas famílias.

Uma questão genérica de incentivo

Apesar dos benefícios de que usufruem, estes cidadãos não são normalmente mais ricos ou mais felizes do que os demais, o que é uma espécie de paradoxo, mas que apesar disso é relativamente fácil de explicar se nos debruçarmos um pouco sobre a natureza dos incentivos à produtividade que um colaborador do estado tem.

Numa empresa privada, os colaboradores estão muito próximos do propósito final da empresa. Ou seja, um colaborador de uma empresa sabe o que esta faz, sabe porque é que é assim e conhece as adversidades externas que afectam a empresa. A sua produtividade individual é relativamente fácil de medir e, se não houver produtividade suficiente, a pessoa tem de sair, sendo despedida ou saindo por livre vontade por achar que a pressão para que produza não é compatível com o seu estilo de vida ou com o vigor físico, mental ou emocional. Uma empresa privada é dura porque ela própria está sujeita a condições duras.

No estado, os colaboradores estão mais distantes e alheados do propósito da organização a que pertencem (o próprio estado) porque, mesmo que a pessoa não seja produtiva, o estado (como um todo) não é penalizado na sua sobrevivência.

Uma empresa pode falir e não ser salva por ninguém, mas um estado geralmente não.

Então, como pode um estado sobreviver mesmo sendo ineficiente devido à baixa produtividade e redundância dos seus serviços? Aumentando os impostos.

Pegando na nossa analogia, seria como o valor de condomínio ter de subir devido à incompetência da senhora da limpeza e, por esse motivo, ter de haver uma segunda pessoa contratada para assegurar o trabalho. Esta analogia é muito relevante, porque o que estamos aqui a fazer é a reduzir a dimensão do contexto, mas mantendo a mesma natureza. Um estado é como um condomínio na medida em que as suas partes comuns são financiadas pelos condóminos. Se a gestão for má, quem paga são os condóminos. Da mesma forma, se a gestão pública for má, quem paga são os contribuintes.

A ineficiência de um estado deve-se, em parte, à falta de uma política racional de incentivos aos seus colaboradores e também ao facto de que tal política tender a excluir a possibilidade destes colaboradores serem despedidos. Não sei se em todos os países existe sempre esta impossibilidade, mas será fácil lembramo-nos de alguns países onde os colaboradores do estado não podem, por lei, ser despedidos. A impossibilidade de despedimento (a haver essa realidade num estado) funciona como um incentivo negativo, ou seja, funciona como um incentivo para que um o colaborador não esteja a “jogar” para produzir mais, mas antes, para ter uma vida mais cómoda e com o menor gasto de energia possível.

Esta impossibilidade de despedimentos é um dos benefícios que a corporação “Colaboradores do Estado” conquistou ao longos dos anos. Apenas esta regra, por si só, cria mais ineficiência em qualquer estado, do que qualquer outra coisa. Mas, mesmo assim, não é a única coisa que faz perpetuar o peso crescente do estado e tudo o que isso implica.

O sentido de justiça

Outra razão para a ineficiência do estado de um país está ainda no campo dos incentivos e tem a ver com o sentido de justiça. Se um colaborador for muito competente e estiver ali para produzir mais, ele tenderá a ser visto como uma ameaça para os outros que estão a jogar o “jogo do maior conforto e do menor esforço”. Assim é, porque esse colaborador produtivo constitui uma prova de que é possível fazer mais, o que funciona como uma evidência de que outros estão a fazer menos do que poderiam fazer. Isto leva a que o colaborador mais produtivo se sinta injustiçado e faça raciocínios do tipo: “não vale a pena fazer mais porque não vou ganhar mais por isso e, ainda por cima, sou atacado pelos meus colegas”.

Esta realidade leva a que um estado tenda a “afastar” os melhores colaboradores e a eventualmente reter os menos produtivos. Não fossem algumas pessoas ser extremamente éticas e estarem acima da ideia dos incentivos económicos, o estado (qualquer estado) seria impossível de gerir e de operar. A presença de pessoas extremamente dedicadas a trabalhar para o estado é o que leva a que este seja suficientemente eficiente para não causar tumultos disruptivos no resto da população.

A convivência de colaboradores extremamente dedicados com os seus colegas que cedem ao incentivo negativo de maior conforto e menor esforço, é um factor que agride ainda mais todos os que realmente se esforçam, muitas vezes com sacrifício pessoal e familiar.

A passividade do sector privado

O sector privado, ou seja, que tem, quem gere e quem colabora nas empresas, tende a ser crescentemente chamado a pagar mais e mais impostos, o que nos faz perguntar qual será a razão para não haver, da parte deste sector, uma revolta generalizada contra a dimensão do estado e contra a sua ineficiência.

A explicação para este fenómeno tem a ver com a geometria do próprio sector privado: trata-se de uma pirâmide, na qual no topo encontramos as estruturas empresariais mais pesadas, ricas e poderosas e em que na base encontramos os trabalhadores privados em geral e os micro-empresários. Quem gere o Estado é (advinhe-se) o topo da pirâmide do sector privado, um grupo de pessoas que, através do fenómeno de “portas-giratórias” coloca os seus homens e mulheres de confiança nos cargos políticos de topo e, depois os recebem de braços abertos para lhes dar posições e ordenados generosos no sector privado. Este (como os anteriores) é um fenómeno global e é facilmente visível em praticamente todo o mundo.

Para esta elite, o status quo dos “Colaboradores do Estado” poderosos, é um dos “preços a pagar” para manter o Estado sob seu controlo. Na prática, os colaboradores do estado estão a ser “comprados”para se manterem ali, colaborantes, apesar disso contribuir para a um estado grande e muito sorvedor de impostos pagos pela base do sector privado.

Esta elite usa o estado do seu país para lhe sacar uma parte relevante do valor dos impostos na forma de fornecimentos de produtos e serviços que, em parte, são essenciais ao seu funcionamentos, mas que noutra parte, são apenas formas abusivas (algumas delas, descaradas) de transferir dinheiro dos contribuintes para os bolsos de uma “mão cheia” de pessoas. A forma como isto é feito daria para um livro inteiro, pelo que não vale a pena desenvolver aqui.

Conta, peso e medida, para não romper

Todo este equilíbrio entre os interesses das elites, dos seus homens e mulheres de confiança e a corporação “Colaboradores do Estado”, tudo pago pela generalidade dos contribuintes, é precário e pode romper-se de diversas formas.

Uma dessas formas é a falência técnica cíclica do estado do país, que leva a uma ajuda externa acompanhada de condições de austeridade, em que todos (incluíndo as pessoas que trabalham para o estado) saem muito prejudicados.

Outra, mais perigosa, é a captura do poder por forças políticas populistas e ideologicamente extremistas que, alimentadas pela percepção generalizada de injustiça quanto ao status quo, venham impor, não só uma correcção abrupta desse status quo, como também uma agenda muito mais dura, que normalmente é apimentada por racismo, xenofobia e ódio contra várias minorias.

Sistemas insanos versus pessoas boas

Um sistema como estou a descrever, é um sistema insano dado que não é viável a longo prazo ou, sendo apenas aparentemente viável a curto prazo, é muito injusto para todas as pessoas, quer estas trabalhem no sector público, quer no sector privado.

As pessoas são basicamente boas e, nem os colaboradores do sector privado, os empresários ou os trabalhadores do estado são excepção a essa bondade inerente. Mas, operando num sistema insano, as pessoas tornam-se parte desse sistema, uns na forma de vítimas, outras na forma de de vilões, em maior ou menor grau.

Os verdadeiros vilões, diga-se, são sempre as elites que desenham e mantêm este tipo de status quo. São estas que ganham sempre, “subornando” uns, “extorquindo” outros e mantendo o sistema a apodrecer penosamente durante décadas, hipotecando o futuro, mesmo que isso signifique que a herança passada às gerações futuras seja miserável.

Aos trabalhadores competentes de qualquer estado

O apreço que qualquer cidadão tem por um trabalhador do estado diligente e dedicado é inegável porque é este quem atende os seus concidadãos nos serviços, quem os trata bem e quem os ajuda a resolver os problemas.

Mesmo que este seja um sistema que esteja relativamente cómodo para o trabalhador competente, este sistema é especialmente cómodo para os seus colegas pouco produtivos, o que representa um status quo através do qual o futuro de todos os nossos filhos está a ser gradualmente destruído.

Quando o sistema tem rupturas (causadas pelo seu mau desenho e pela sua forma deficiente de funcionar) o trabalhador competente do estado também se torna numa vítima, razão pela qual é importante que possa também ele reconhecer que estamos todos no mesmo barco.

Os parasitas e os que são parasitados

Será que o tamanho do estado importa? Sim, é claro e evidente! É vital entendermos todos que um estado demasiado grande é insustentável e traz perigos para todos, à excepção de um grupo restrito e muito poderoso indivíduos – a elite que se move entre o topo do sector privado e o topo do sector público. Em cada país há sempre um grupo assim. E o trabalhador competente e dedicado do estado, também está a ser parasitado por esse grupo, tal como está a ser parasitado por todos os seus colegas menos dedicados, mesmo que pareça que não.

Qualquer organismo (qualquer que seja a sua natureza) que não possa livrar-se dos seus parasitas tende a tornar-se progressivamente menos e menos eficiente. Um estado que, entre outras coisas, não pode despedir incompetentes, e que se mantém a ser gerido por indivíduos que apenas se servem a si mesmos e às suas clientelas, tende a ser cada vez mais parasitário relativamente ao resto do país, até um ponto em que já não resta mais nada nem ninguém para parasitar.

O caminho para a ruína

Uma sociedade que não compreenda as dinâmicas de um estado demasiado grande, com falta de transparência e com bastante corrupção, não é capaz de evitar a sua própria ruína. Isto acontece porque a fatia da sociedade que é produtiva não tem tempo para se debruçar sobre os assuntos políticos, deixando essa tarefa para as elites que habitualmente se agarram ao poder com o único propósito de se servirem a si mesmas e às suas clientelas. Quando as pessoas produtivas são reiteradamente parasitadas por todo um sistema que delas se alimenta, e quando essas pessoas não são capazes de perceber o nível de supressão a que estão sujeitas, toda a sociedade caminha para a insustentabilidade. Isto significa que, em nome da “igualdade” e dos “direitos iguais”, no final toda a estrutura social chega a um ponto de ruptura em que, com a excepção de uma elite muito ardilosa, as pessoas são vítimas de coisas tão nefastas como a hiper-inflação, falta de bens nas prateleiras dos supermercados, falta de dinheiro nas caixas de multibanco, etc. Tudo isto culmina inevitavelmente em crime, miséria e colapso do tecido social.

Um estado demasiado grande pode representar-se com o vaso do qual germina uma sociedade assim, que alimenta as desigualdades e que se perpetua até que as pessoas produtivas não consigam aguentar mais, caindo elas mesmas gradualmente no grupo dos subsídio-dependentes.